A FRANÇA EM MINAS GERAIS
Sebastião Gusmão
1. PERÍODO COLONIAL
A exploração do pau-brasil, aliado ao espírito de aventura, marcou o primeiro contato dos franceses com terras do litoral brasileiro, logo após o descobrimento do país pelos portugueses em 1500. Assim, em 1504, o mercador francês Binot Paulmier de Gonneville, com uma tripulação de sessenta homens, aporta em São Vicente Nesta época estabelece-se uma aliança entre os índios do litoral brasileiro e os franceses nas lutas contra os portugueses, que se prolongaram até o início do século 17.
Muitos outros vieram depois de Gonneville. Primeiro que os portugueses, os mercadores do Sindicato Ango dominaram a costa brasileira. E foram justamente as repetidas incursões dos piratas franceses que despertaram os portugueses para a defesa do imenso país.
Sob a proteção de Henrique II, o oficial da marinha francesa, Nicolas Durand de Villegaignon, propõe-se a disputar com os portugueses a primazia da colonização e a estabelecer nos trópicos a França Antártica. Reúne uma tripulação de cerca de seiscentos candidatos, entre aventureiros e calvinistas, perseguidos pela reação católica, que desembarca no Rio de Janeiro em 1555. Em 1565 os franceses são expulsos e fixam-se, algumas décadas após, na ilha do Maranhão, sempre com o apoio dos índios, e aí fundam a França Equinocial. De novo são expulsos, mas as incursões armadas só cessariam de todo no século seguinte, sendo as derradeiras as de Du Clerc (1710) e de Duguay Trouin (1711), ambas no Rio de Janeiro.
Primeiros franceses em Minas
A influência do mundo francês no Estado de Minas Gerais inicia-se já no período colonial com a participação de Ambroise Jauffret como informante sobre as descobertas do ouro e sobre a descrição da Capitania que então abrangia a futura Minas Gerais. Nascido em Marselha, em 1655, veio para o Brasil com a idade de 17 anos. Em 1680 toma posse do cargo de escrivão da Câmara de São Paulo. Em 1704, por ordem do governador da Capitania de São Paulo, dirige-se para Caiena, Guiana Francesa, onde se estabelece como agente comercial. Nesta época, ocorria uma disputa de fronteira entre o Brasil e a Guiana, que opôs Portugal à França. Um acordo direto entre as duas nações determinou a demarcação definitiva.
A descoberta, no final do século 16, das minas de ouro no Brasil despertou o interesse dos franceses pela região. Ambroise Jauffret, conhecedor da ainda misteriosa região aurífera do interior da Capitania de São Paulo, passa informações ao Marquês de Ferol, Governador Geral de Caiena. Em 20 de junho de 1704, Jauffret realiza descrição minuciosa da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, que é enviada ao Primeiro Ministro da França, o Conde de Pont Chartrein, e hoje encontra-se nos Archives Nationales da França. No texto são descritas as incursões dos paulistas pelo interior da região de Minas Gerais com a descoberta das minas de ouro, fornecendo a exata localização das mesmas. Indica os caminhos do litoral até as minas de ouro e as técnicas de mineração. Por último, descreve de forma minuciosa a costa brasileira, conhecimento fundamental para organizar futura invasão francesa. Existe uma relação direta entre as informações de Jauffret e a invasão do Rio de Janeiro, em 1710, realizada por Dougay-Trouin, com o objetivo de adquirir controle sobre o principal porto de acesso às Minas Gerais. E foi de Minas que partiu o reforço decisivo contra essa incursão militar.
O padre Philipe de La Contrie foi outro francês que passou pela Capitania de Minas Gerais, no século 18, e participou ativamente dos acontecimentos do período. Este frade carmelita chegou ao Brasil durante a invasão francesa no Rio de Janeiro, em setembro de 1710, comandada por Du Clerc. Derrotados, Du Clerc, os outros oficiais franceses e Philipe de La Contrie foram presos.
Com a aproximação de outra expedição francesa, comandada por Dougay-Trouin, que invadiu o Rio de Janeiro, em setembro do ano seguinte, os cinqüenta oficiais franceses sobreviventes da expedição de Du Clerc foram transferidos para outras capitanias. Philipe de La Contrie foi enviado para a região das Minas Gerais, tendo-se estabelecido no Ribeirão do Carmo, hoje Mariana.
Em 1736 a região do Rio São Francisco explodiu em levantes contra o imposto sobre o número de escravos. Não se sabe como, mas Philipe de La Contrie tornou-se informante e confidente do governador das Minas Gerais, Martinho de Mendonça Pina e Proença. Em várias viagens pelo interior das Minas Gerais, La Contrie escreveu várias cartas relatando o ânimo dos fazendeiros e os principais acontecimentos presenciados por ele.
Como recompensa por seus serviços, La Contrie recebeu terras no sertão do Papagaio, hoje Curvelo, onde estabeleceu fazenda de criação de gado. Ali fundou o arraial denominado Contria, corruptela portuguesa de seu nome.
Estudantes de medicina mineiros em Montpellier e a Inconfidência Mineira
Durante o século 18, num intervalo de 26 anos, o prestigiado curso de Medicina da Universidade de Montpellier, fundada em 1292, atraiu alguns estudantes brasileiros e, em particular, da rica e ilustrada região das Minas Gerais, de onde enorme quantidade de ouro e diamante era exportada (vindo a ser a principal fonte de financiamento à Revolução Industrial, ocorrida a seguir na Europa). Esses estudantes foram atraídos pelo renome da Universidade e principalmente pelos ideais iluministas.
Tiveram importante papel na história brasileira pela participação direta ou indireta na Inconfidência Mineira. O médico Domingos Vidal Barbosa Lage (1761-1793) deve ser destacado, porque chegou a transferir-se de Montpellier para o curso médico de Bordeaux, com o objetivo de preparar esta cidade para receber as exportações brasileiras, após a independência. Era poeta e natural de Nossa Senhora da Conceição do Caminho de Paraibuna, hoje Matias Barbosa, distrito de Juiz de Fora. Matriculou-se na Universidade de Montpellier em dezembro de 1785. Não terminou seus estudos em Montpellier, doutorando-se em Bordeaux, mas durante sua estada, no ano de 1786, participou das articulações dos estudantes brasileiros locais em favor da Inconfidência Mineira. Voltou para Minas em setembro de 1788 e logo foi para Vila Rica, atual Ouro Preto. Tinha 28 anos de idade quando foi preso como Inconfidente, em 1789. Nos autos, confessou seu conhecimento das articulações na França para conseguir o apoio dos Estados Unidos ao movimento, através do embaixador americano Thomas Jefferson. Em 1787, quando retornava de Montpellier para Coimbra, na companhia do professor José Joaquim Maria Viagrous, encontrou-se com Jefferson, em Nimes. Também foi acusado de ter, na viagem de volta ao Brasil, discutido com o advogado José Pereira Ribeiro, que voltava de Coimbra, sobre o livro proibido do abade Raynal, História Filosófica e Política. Condenado à morte, sua pena foi comutada para degredo no Arquipélago de Cabo Verde, onde morreu em 1793.
José Joaquim da Maia Barbalho (1757-1788) teve importante papel na história da Inconfidência. Formou-se em Matemática em Coimbra, no ano de 1783, matriculou-se em Medicina em Montpellier em 1785 e doutorou-se em 1787, tendo sido contemporâneo de Domingos Vidal Barbosa Lage. Enquanto estudante, escreveu cartas ao embaixador americano na França, Thomas Jefferson, pedindo apoio e recursos financeiros para o plano da Inconfidência Mineira. O futuro presidente da nova república do norte não pôde garantir ao grupo a ajuda pretendida e Maia faleceu antes de voltar a sua pátria.
Outro estudante, originário do Rio de Janeiro, José Mariano Leal da Câmara Rangel de Gusmão, que estudava em Montpellier na mesma época que Maia e Domingos Barbosa, também participou dos planos do levante mineiro. Estudou medicina em Montpellier de 1785 a 1790. Exerceu a medicina no Rio de Janeiro e em Lisboa, onde faleceu em 1835.
Dos quinze estudantes do grupo, apenas um completou cinco anos de curso em Montpellier, dois completaram quatro anos e os demais cursaram menos de quatro anos. O fato de permanecerem ali menos do que o necessário para sua graduação sugere que ali estavam apenas com objetivo revolucionário. A vigilância contra estudantes adeptos de idéias iluministas era rigorosa em Portugal, o que levou os mais engajados a se transferirem para Montpellier, onde a vigilância era menor.
A Inconfidência Mineira, foi traída por um dos conspiradores. Os sediciosos foram processados e punidos, mas apenas um, de nome Joaquim José da Silva Xavier, apelidado de Tiradentes (1748-1792), foi condenado à morte na forca, tornando-se assim o principal herói nacional brasileiro. Coincidentemente exercia ofício ligado à saúde, pois extraía e restaurava dentes, daí seu apelido. Além disso, prescrevia para doenças em geral, à base de fitoterapia, mas sua profissão formal era de soldado, no posto de alferes (tenente) da força militar colonial. Seu ideal libertário foi subsidiado por conceitos iluministas veiculados por ex-alunos da Universidade de Coimbra, em Portugal, e pelos ex-estudantes de medicina de Montpellier.
O erudito brasileiro, nascido em Minas, Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990) publicou, em 1937, o livro O Índio Brasileiro e a Revolução Francesa, em que procura vincular o surgimento das idéias iluministas aos relatos sobre a bondade natural dos índios brasileiros. Um dos interprétes de Villegagnon que regressou à França tornou-se secretário de Montaigne. Foi ele quem inspirou o célebre capítulo 31 do primeiro livro dos Ensaios intitulado “Dos canibais”, que deveria ter grande influência sobre os filósofos das Luzes, criando o mito do bom selvagem. Em sentido inverso, estas mesmas idéias iluministas atraíram os quinze estudantes de medicina brasileiros, à Universidade de Montpellier, como parte do esforço para libertar a colônia do Brasil do domínio português. As idéias iluministas adquiriram força na Europa, durante o século 18, e são responsáveis por movimentos revolucionários, entre eles a independência de várias colônias européias nas Américas e também pela Revolução Francesa.
Durante o século 18, o ambiente cultural nas Minas cresceu e diversificou-se. O aumento de estudantes mineiros na Europa, particularmente em Coimbra e Montpellier, a criação do ensino leigo com as reformas pombalinas e a circulação de livros na Capitania foram alguns dos fatores que contribuíram para esse aumento. Os testamentos e inventários de mineiros, ao lado de alguns acervos de livros setecentistas ainda existentes em bibliotecas e arquivos do Estado, são os principais testemunhos a partir dos quais se pode reconstituir as publicações que circularam no período. A partir delas, podemos também percorrer as idéias que difundiram, algumas delas consideradas perigosas ao domínio português e que estiveram presentes em movimentos de contestação à ordem, como a Inconfidência Mineira.
Ocuparam importante papel na cultura mineira da época os livros de autores franceses que, influenciados pelas idéias iluministas, buscavam compreender o mundo por uma ótica mais científica e racional. A maior biblioteca conhecida nas Minas pertenceu ao cônego Vieira, um dos ativistas da Inconfidência, e constava de 276 obras, em 563 volumes, várias delas francesas. Outras bibliotecas semelhantes foram a do médico José Vieira Couto e do advogado José Ribeiro.
Várias testemunhas afirmaram nos Autos da Inconfidência Mineira que o livro Recueil des Lois Constitutives dês États Unis de L’Amerique estava sempre no bolso de Tiradentes. No caso dos conspiradores que procuravam um vínculo entre as idéias iluministas mais genéricas e o desejo específico de libertação do domínio colonial, a principal inspiração veio do livro Histoire Philosophique et Politique des Deux Indes escrito pelo ex-jesuíta Guillaume-Thomas François Raynal (1713-1796), também chamado Abade Raynal. Foi ele o primeiro ideólogo anticolonial, sendo, por isso mesmo, também antiescravagista. Teve seu texto transformado no mais incendiário das três Américas.
2. PERÍODO IMPERIAL
Em 1808 ocorre a transferência da família real portuguesa para o Brasil em virtude da ocupação de Portugal pelas tropas napoleônicas do general Junot. Depois de restabelecida a paz entre Portugal e França, e especialmente após a independência em 1822, ocorreu o deslocamento da referência científico-cultural de Portugal para a França e a influência francesa nas idéias e nos costumes se faz sentir durante todo o período imperial (século 19).
Os viajantes estrangeiros
O século 19 europeu foi caracterizado pelo fenômeno das viagens científicas para as regiões pouco exploradas do globo. A expansão econômica realizada no período colonialista precisava ser precedida pela ampliação do conhecimento sobre povos, animais e regiões a serem conquistados e dominados.
O Brasil foi uma das regiões de destino desses naturalistas-aventureiros durante o século 19, em especial a região das Minas Gerais por sua fauna e flora diversificada e, principalmente, por suas riquezas minerais do ouro, diamante, prata e pedras preciosas. Estes viajantes descreveram as paisagens, as minas de ouro, o trabalho escravo e a vida cotidiana nas Minas Gerais.
Viajantes de várias nacionalidades percorreram a Província de Minas. Mas, sem dúvida, o mais importante deles foi o francês Auguste P. de Saint-Hilaire. Outros franceses, como Alcide D’Orbigny, Ferdinand Denis, Conde de Suzannet, Francis de La Porte Castelnau, e o suíço Jean Louis Agassiz, também percorrerram a Província de Minas. Todos publicaram na Europa o relato de suas viagens.
Auguste de Saint-Hilaire (1779 – 1853), natural de Orleáns, era naturalista, especialista em botânica. Percorreu o Brasil entre 1816 e 1822, financiado pelo Governo francês. Durante suas viagens, descreveu e classificou mais de mil espécies da flora brasileira, coletando extensa coleção para o Museu de História Natural de Paris. Escreveu vários estudos sobre a botânica brasileira, mas também publicou suas anotações de viagem, abordando vários assuntos da vida brasileira observados por ele. Durante todo o tempo em que percorreu vasta porção da Província de Minas nada lhe escapou à acuidade de observador arguto e meticuloso do nosso meio físico, fauna, flora, a gente que aqui vivia, os costumes, a índole e caráter, as lendas e tradições, o regime, a política, a História e as instituições. Seus livros tornaram-se uma das principais referências sobre o Brasil da época. Realizou três viagens a Minas (1817, 1819 e 1822) que resultou em quatro publicações: Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil, Viagem às nascentes do Rio São Francisco, Segunda Viagem ao Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo.
De volta a Paris, Saint-Hilaire dedicou-se a estudar o material coletado no Brasil que abrange um herbário de 30.000 espécimes, de mais de 7.000 espécies, das quais umas 4.500 eram desconhecidas dos cientistas da época. Foi professor do Museu de História Natural de Paris, da Universidade de Sorbone, e também sócio da Academia de Ciências de Paris.
Francis de La Porte Castelnau era zoologista e viajou para o Brasil entre 1843 e 1847. Escreveu quinze livros sobre suas aventuras, entre eles Viagem de um naturalista ao Rio de Janeiro e Minas Gerais (1843), que descreve sua viagem a Minas.
Pouco se conhece sobre o misterioso Conte de Suzannet. Afirmou, em seu livro O Brasil em 1845, que cansado da vida enfadonha da França, particularmente a da nobreza de que fazia parte, resolvera empreender viagens em busca de aventuras e emoções. Visitou Ouro Preto e a Zona da Mata.
O naturalista suíço Jean Louis Rodolphe Agassiz (1807 - 1873) interessou-se pelo Brasil ao trabalhar nas descrições biológicas da coleção de peixes brasileiros trazida para a Europa por Von Spix. Já cientista de renome, emigrou para os Estados Unidos, onde foi professor da Universidade de Harvard. Financiado por esta instituição, visitou o Brasil, onde permaneceu dois anos. Os resultados dessa expedição foram reunidos no livro A Journey in Brazil, publicado em 1867.
O palenteólogo francês Alcide Dessaline D’Orbigny viajou durante oito anos pela América, entre 1826 a 1834, onde estudou as populações, a geologia e a história natural. Reuniu seus apontamentos na monumental obra Voyage dasns l’Amérique Meridional, escrita entre 1834 e 1847, da qual faz parte a Viagem pitoresca através do Brasil. Jean Ferdinand Denis visitou as Minas, passando por São João Del Rei. Deixou suas impressões no livro Brasil.
Guido Marlière e a colonização da região do Rio Doce
Guido Thomas Marlière (1769 - 1840) era tenente-coronel do exército francês no reinado de Luís XVI. Durante a Revolução Francesa, emigrou para a Inglaterra junto com seu regimento, à frente do qual foi enviado a Portugal para defender este país da invasão napoleônica, em 1797. Durante a transferência da Corte para o Brasil, veio com Dom João VI e dedicou-se ao desbravamento dos sertões.
Em 1813 foi para a região do Rio Doce, na porção leste de Minas Gerais, para colonizar e controlar os índios bravios das tribos de botocudos, hostis à penetração branca. Vários municípios originaram-se dos aldeamentos indígenas de Marlière, inclusive o de Guidoval, onde possuía uma fazenda. Seu plano de abertura da área à colonização foi bem sucedido, tendo criado várias missões de catequese. Pôs em prática diversas políticas protecionistas para os índios, inclusive a preservação de parte de seus territórios. Deixou inestimável contribuição para o estudo da língua das tribos indígenas do Vale do Rio Doce.
Jean Antoine Felix Dissandes Monlevade e a siderurgia
Jean Antoine Felix Dissandes Monlevade (1789 - 1872), descendente de famílias nobres francesas, estudou na Escola Politécnica de Paris e na École de Mines. Como químico e minerador, chegou a Minas em 1817, e no ano seguinte construiu um forno em Caeté, tendo sido o primeiro produtor de ferro-gusa do Brasil. Monlevade explorou várias jazidas construindo uma grande siderurgia, na cidade de João Monlevade. É o patriarca da siderurgia brasileira.
Claude Henri Gorceix e a Escola de Minas de Ouro Preto
Gorceix (1842-1919) formou-se em Ciências e Matemática na École Normale Supérieure, de Paris. Veio para Ouro Preto, em 1876, a convite do Imperador Dom Pedro II, para criar a Escola de Minas em Ouro Preto. A criação de um curso de metalurgia, geologia e mineralogia pretendia impulsionar a exploração e o aproveitamento das ricas jazidas minerais e também aprimorar os conhecimentos dos recursos minerais de Minas Gerais. Foi diretor da escola até 1891, quando retornou à França. Formou uma elite de jovens cientistas que desenvolveu a mineralogia no País, associando ensino e pesquisa. Publicou vários estudos sobre a mineralogia e a indústria mineral em Minas, principalmente nos Anais da Escola de Minas.
Henrique Dumont (1832 - 1892)
Filho de franceses radicados no Brasil, nasceu em Diamantina em 1832. Realizou o curso de engenharia na Ècole Centrale dês Arts et Métiers em Sèvres. De retorno ao Brasil, passou a residir em Ouro Preto. Iniiou a navegação a vapor no Rio das Velhas e dedicou-se a realização de obras de engenharia de vulto, como a notável ponte de Sabará. Dirigiu a construção de um trecho da linha da Estrada de Ferro D. Pedro II, nas proximidades de Barbacena. Em 1879 muda-se para Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo, e torna-se grande produtor de café.
Henrique Dumont incutiu no filho Alberto Santos Dumont (1873 – 1932) o interesse pela mecânica. Este inventor e aeronauta brasileiro, nascido na cidade mineira que hoje leva seu nome, é considerado o “pai da aviação” por ter construído, em Paris, em 1906, o primeiro aparelho mais pesado que o ar capaz de levantar vôo por meios mecânicos próprios.
Ensino: colégio do Caraça e Colégio Providência
O Colégio do Caraça
Em 1774, o misterioso irmão Lourenço de Nossa Senhora, provável foragido político de Portugal, fundou o Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens, próximo à cidade de Barão de Cocais. Sítio aprazível, cercado de montanhas, a 1.300 metros de altitude, logo o local tornou-se foco de peregrinação. Saint-Hilaire visitou o Caraça em 1816 e esteve com o próprio Irmão Lourenço. Deixou cinco maravilhosas páginas em suas Viagens pelo Interior do Brasil. Descreve a paisagem, o edifício e a história do Irmão Lourenço, que na época tinha 92 anos. Na serra do Caraça colheu 70 espécies de plantas que ainda não conhecia.
Com a morte de Irmão Lourenço, o santuário do Caraça entra em decadência. Em 1820, os padres lazaristas, vindos da França, assumiram a direção do santuário, determinando verdadeiro renascimento da grandeza da instituição. Começa, então nova era para o Caraça, bem mais gloriosa do que precedente. É a idade de ouro da instituição. Os lazaristas fundam o Colégio do Caraça, primeira instituição de ensino religioso do Brasil, depois da expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal e da laicização do ensino que se seguiu.
Neste período, várias benfeitorias foram construídas, visando à expansão e modernização de suas instalações. O santuário original foi demolido e, em seu lugar, foi construída uma igreja de arquitetura gótica. A biblioteca do Caraça também tornou-se ponto de referência por sua qualidade e abrangência. Em maio de 1968, o Caraça foi parcialmente destruído por um incêncio e o colégio foi definitivamente fechado, reabrindo –se depois como atração turística.
Durante sua existência, o Colégio do Caraça tornou-se sinônimo de excelência no ensino secundário. Por seus bancos escolares passaram renomados políticos e intelectuais mineiros como Afonso Pena, Delfim Moreira e Artur Bernardes. O colégio do Caraça foi visitado por Dom Pedro I e D. Amélia, em 1831, e por Dom Pedro II e D. Teresa Cristina em 1881.
O Colégio Providência
Em 1849 chegam de Paris doze freiras Vicentinas da Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo e fundam o Colégio Providência de Mariana, que se tornaria célebre pela sólida formação dada à juventude feminina. Foi o primeiro estabelecimento na Província de Minas Gerais voltado para a formação secundária feminina, visto que o modelo educacional existente até então era reservado ao sexo masculino. Em pouco tempo tornou-se ponto de referência para a educação feminina, para além das divisas de Minas Gerais. Nos seus bancos escolares formaram-se as primeiras gerações de professoras primárias de Minas Gerais.
3. PERÍODO REPUBLICANO
O Positivismo de Auguste Conte (1798 – 1857) teve grande influência no Brasil, atuando de modo decisivo no ideário da proclamação da República em 1889. Na primeira metade do século 20 foi grande a influência francesa no Brasil e, em particular, em Minas Gerais. Neste período destaca-se por sua personalidade invulgar e por sua grande obra médica e humanitária a figura de Pavie.
PAVIE: LE PIONNIER DE LA MEDECINE MODERNE DU MINAS GERAIS
Alphonse Marie Edmond Pavie est né à Amiens le 16 Août 1868, d’un père noble et d’une mère d’origine aristocratique. En 1888, il s’inscrit à la Faculté de Médecine de l’Université de Paris.
En 1892, en dernière année de médecine, il tombe amoureux d’une actrice de théâtre. Il interrompt ses études et, en possession de la fortune héritée de son père, décédé deux ans plus tôt, il accompagne l’actrice en tournée dans plusieurs pays du continent américain. A Rio de Janeiro, sa fortune s’épuise, en même temps que prend fin sa liaison amoureuse. Pour ne pas compromettre l’honneur de ses ancêtres, il change de nom, se fait appeler Afonso Ulrik, et décide de ne plus jamais retourner en France. Cette pénitence lui était imposée par le code d’honneur de la noblesse française et par la morale rigide de son éducation.
En 1894, il se dirige vers l’intérieur du Minas Gerais afin de travailler à la construction du chemin de fer Bahia-Minas, où il assume les fonctions de médecin. La construction se termine en 1898, il reste un an à Teófilo Otoni et, en 1900, il habite le village de Capelinha. Il exerce la médecine dans cette vaste région comprenant divers villages du nord-est du Minas Gerais pendant 10 ans. C’est là qu’en 1903, il se marie avec Maria da Conceição Guimarães. De cette union naîtront quinze enfants. A cette époque, il recommence à correspondre avec sa famille et ses anciens collègues, recevant de France, livres, revues et matériel médical. Il entame de nombreuses correspondances et échanges d’expériences médicales avec plusieurs médecins de Paris, spécialement avec Victor Pauchet (1869-1936), l’un des plus grands chirurgiens d’Europe. Ils avaient été condisciples au collège de la Providence, devinrent collègues à l’Hôtel-Dieu d’Amiens et, plus tard, à la Faculté de Médecine de Paris. Dans plusieurs lettres, Victor Pauchet manifeste sa grande admiration pour Pavie et se rappelle que ce fut lui qui l’incita à embrasser la profession médicale et à se consacrer à la chirurgie. Il insiste pour que Pavie revienne à Paris afin qu’ils puissent travailler ensemble à l’hôpital Saint-Michel. La correspondance avec Victor Pauchet a été d’une importance fondamentale. Elle a permis à Pavie, qui vivait isolé en tant qu’unique médecin d’une vaste région du Sertão du Minas Gerais, de se maintenir informé de la médecine de pointe pratiquée en Europe.
En 1910, Pavie s’est installé à Itamarandiba, village située à 450 km de Belo Horizonte, au nord du Minas Gerais. Ses relations avec Victor Pauchet, avec d’autres médecins, avec des instituts (particulièrement l’Institut Pasteur de Paris) et avec des fabricants de matériel médical ont permis à Itamarandiba de recevoir ce qu’il y avait de plus moderne en matière d’équipements médico-hospitaliers en France. Tout ceci a rendu possible l’existence dans ce village d’un hôpital, d’une pharmacie, d’un appareil de radiologie et d’un laboratoire d’examens complémentaires, tous d’un niveau technique hors du commun pour la médecine du Brésil au début du siècle. Le laboratoire a été installé en 1911 avec des réactifs et des appareils de premier ordre, choisis à Paris par des amis spécialistes, cela à une époque où ces mêmes moyens étaient très rares au Brésil. Les pièces, les produits pharmaceutiques et biochimiques et les livres importés de France étaient transportés de Belo Horizonte jusqu’à Itamarandiba à dos de mule, au cours d’un voyage de vingt jours. Les équipements plus lourds, comme la table de chirurgie, les rayons X et le matériel pour la future lumière électrique, ont été apportés par des chars à boeufs.
De ce fait, en 1911, on trouve à Itamarandiba une technique médicale de pointe parmi les plus avancées de l’époque: moyens de stérilisation, chimie du sang, hématologie, bactériologie et sérodiagnostic de la syphilis, typhus et paratyphus A et B, anatomie pathologique (microscope et microtome) et dispositif pour photomicrographie. Annexé au laboratoire, existait un vivarium avec des cobayes, des lapins et des moutons pour l’inoculation et l’obtention d’hématies de moutons, du sérum frais de cobaye (alexine ou complément) et du sérum de lapin anti-mouton afin d’être utilisés dans la réaction de Wassermann. Les extraits d’antigènes pour cette réaction étaient fournis trimestriellement par l’Institut Pasteur de Paris. A Itamarandiba est réalisée la recherche dans le sang du Plasmodium et du Trypanosoma cruzi seulement deux ans après sa découverte par Chagas. Son laboratoire a été distingué en 1922 par la médaille de bronze lors de l’exposition internationale commémorative du centenaire de l’indépendance du Brésil.
Dans sa pharmacie, avec des sels et des récipients importés, il fabriquait du sérum physiologique, des dilutions tuberculiniques et divers médicaments en ampoules, comprimés et capsules. Il recevait de Paris le radium, qui était préparé sous forme de pommade pour l’application sur les lésions tumorales superficielles. En 1912 il fait venir de Paris un appareil à rayons, premier équipement du nord du Minas et l’un des premiers de l’Etat.
En 1911, il conçoit et réalise le projet de la Santa Casa de Misericórdia de Itamarandiba. Plus tard, il crée l’Association des Dames de la Croix Rouge, lesquelles reçoivent une formation technique de soins infirmiers, et puis vont travailler à la Santa Casa (hôpital pour les pauvres de même type que l’hôtel Dieu).
Après avoir passé la plus grande partie de sa vie dans la plus pure abnégation, en traitant des patients pauvres du nord-est du Minas et en s’occupant de sa nombreuse famille, il juge avoir payé son “péché de jeunesse”. Sur l’insistance de sa famille et de l’archevêque de Diamantina, il reprend son nom de famille. Mais jamais il ne retournera en France, malgré les appels répétés de ses familiers et de Victor Pauchet.
C’est encore en 1911 qu’il commence à traiter les lépreux. Pavie réunit, à partir de 1911, les lépreux d’Itamarandiba et des villages voisins dans de petites “cases”, à 2,5 Km du village. Au delà de l’isolement, Pavie met en oeuvre un traitement scientifique, en se servant de ce qu’il y avait de plus moderne à l’époque. En 1911, il réalise déjà des biopsies de la peau, chez ces patients, à la recherche du bacille de Hansen, ainsi que de l’exérèse aseptique du léprome pour préparer l’émulsion de Gougerot. Tout cela, il le fait à une époque où le diagnostic et la thérapeutique de la lèpre sont inexistants au Brésil.
Les malades de toute la contrée se rendent au village d’Itamarandiba, attirés par la notoriété de Pavie et par la nouveauté des procédés techniques, qui font de cette localité un centre de référence pour la médecine de la région. La Santa Casa s’agrandit progressivement jusqu’à atteindre 104 lits. Finalement, en 1924, le tout premier dans le nord-est du Minas, il installe l’électricité dans le village, tout le matériel étant importé de France.
Isolé dans le Sertão, quand les nombreux villages de la région n’étaient pas encore liés au centre par des routes et que les caravanes de mulets étaient l’unique moyen de transport et de communication, il parvient à actualiser ses connaissances grâce aux livres et aux revues françaises et grâce à la correspondance avec ses collègues de Paris. Se servant de l’anesthésie locale, qu’il avait apprise avec Paul Reclus (1847 - 1914), professeur de clinique chirurgicale à la Faculté de Médecine de Paris et initiateur de l’anesthésie locale par infiltration, il réalise des interventions chirurgicales les plus variées. Deux années à peine se sont écoulées depuis le début de l’anesthésie régionale en France lorsque Pavie commence à l’utiliser à Itamarandiba et, en 1923, il publie dans la revue française La Clinique son expérience chirurgicale avec l’anesthésie loco-régionale, la rachianesthésie et la narcose. En 1931, il publie dans la revue Publicações Médicas un autre article, où de manière détaillée, il relate sa grande expérience chirurgicale dans l’utilisation de l’anesthésie loco-régionale. En 1935 est publié dans la Revista de Medicina e Cirurgia son article sur les interventions de la région fessière. Certains de ces cas chirurgicaux, bien décrits et photographiés, étaient envoyés à Victor Pauchet et présentés aux sessions de la Société des Chirurgiens de Paris.
A partir de 1947, le poids de l’âge et la perte progressive de la vision font qu’il diminue progressivement son activité médicale. Il meurt le 3 octobre 1954.
Il est surprenant de voir que Pavie a réussi à utiliser de façon pionnière les grandes avancées technologiques, presque simultanément à leur introduction en Europe, dans une région si éloignée des grands centres. Ainsi, entre 1910 et 1912, il a monté un hôpital avec toutes les ressources techniques qui émergeaient en Europe. Les rayons X ont été développés en 1895, la réaction de Wassermann en 1906 , la réaction de Widal en 1896 , l’anesthésie locale en 1884 et la novocaïne en 1906. Tous ces progrès étaient utilisés dès 1911-1912 par Pavie dans le Sertão du Minas Gerais. En 1909, Brewer et Legetti ont introduit les récipients paraffinés et Hustin, en 1914, le citrate de sodium pour éviter la coagulation. A partir de 1916, Pavie importe des récipients paraffinés et réalise des transfusions. En 1912, Pavie est le premier au Brésil à utiliser le Radium, révélé en 1898 par Marie et Pierre Curie.
Pavie est devenu un grand médecin et un bienfaiteur de l’intérieur du Minas Gerais. Il a introduit la chirurgie moderne dans le Minas Gerais et a été un pionnier de la médecine moderne dans l’Etat et au Brésil. Il n’a jamais oublié la France, mais il est devenu un amoureux du Brésil, plus spécialement du Sertão du Minas Gerais, où il a vécu 60 de ses 86 années.